quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013







As mensagens instantâneas por telefonia celular e trocadas em tempo real em redes sociais fazem parte da realidade da maioria das pessoas no mundo. Porém, há mais de 50 anos, dificilmente alguém acreditaria que isso poderia acontecer. A não ser o teórico canadense Marshall McLuhan, cujo centenário comemora-se em 21 de julho. Ele é o autor de expressões que se tornaram célebres, como “aldeia global” e de teses de que os meios de comunicação nada mais são do que extensões do homem, manifestadas em obras indicadas em qualquer curso de comunicação, como A galáxia de Gutenberg: A formação do homem tipográfico, de 1962, eGuerra e paz na aldeia global, de 1968.

Como todo pensador que conseguiu prever o futuro, o professor de literatura nascido em Edmonton (Canadá), em 1911, demorou a ter seus estudos reconhecidos. E, agora, no ano de seu centenário, será lembrado em dezenas de conferências realizadas em cidades tão diferentes quanto São Paulo, Bruxelas, Berlim, Barcelona e Bari. Inclusive um evento cultural nas ruas de Toronto, no Canadá, será dedicado a ele, que criou na universidade local um Centro para a Cultura e a Tecnologia. Para completar, seu filho Eric McLuhan pretende lançar dois livros que surgiram a partir de antigos projetos do pai, Mídia e causa formal e Teorias da comunicação.

“O pensamento de Marshall McLuhan continua a ser muito importante para o estudo da comunicação. Não tanto por causa de algum insight em particular que ele originou, mas porque o teórico insistia que os estudantes de comunicação mantivessem a consciência nos efeitos das tecnologias humanas, especialmente das tecnologias da comunicação”, explica Philip Marchand, responsável pela catalogação dos escritos do pensador para os Arquivos Nacionais do Canadá. E acrescenta: “A televisão, por exemplo, afeta o sistema nervoso de maneira diferente do rádio, independentemente do conteúdo específico das transmissões. Assistir a um vídeo de um professor ministrando aulas tem impacto diferente sobre a psique do causado pela audição da mesma palestra transmitida por uma emissora de rádio”.

Eis, então, um dos conceitos mais importantes defendidos por McLuhan: a de que o meio é a mensagem. Esse é, para Paul Levinson, professor de comunicação e de estudos da mídia da Fordham University, em Nova York, o ponto-chave do pensamento do comunicólogo. “Antes disso, a maioria dos estudiosos ignorava o meio e focava apenas no conteúdo. Muitas pessoas ainda fazem isso hoje em dia”, opina. O canadense também foi o primeiro a dividir esses meios em dois grupos: os quentes e os frios. Ou seja, os quentes seriam o rádio e o cinema, que prolongam um único sentido com saturação de dados e não exigem muita a participação do público; e os frios, a televisão e o telefone, que têm baixa definição e deixam muito a ser preenchido pela audiência. Com isso, ele transmitia outro aspecto importante de seu pensamento, o de que qualquer grande novo meio de comunicação altera toda a perspectiva das pessoas que o utilizam.

Ninguém previu o advento da internet de modo tão enfático quanto McLuhan, em Understanding Media, de 1964: “Uma rede mundial de ordenadores tornará acessível, em alguns minutos, todo o tipo de informação aos estudantes do mundo inteiro”. Já em Os meios de comunicação como extensões do homem, de 1968, acrescentava: “O nosso é um mundo inteiramente novo de simultaneidade. O ‘tempo’ cessou, o ‘espaço’ sumiu. Vivemos agora numa aldeia global... um acontecer simultâneo. Estamos de volta ao espaço acústico. Recomeçamos a estruturar o sentimento primordial, as emoções tribais das quais fomos separados por alguns séculos de comunicação escrita”. “A ideia de aldeia global na década de 1960 ainda não fazia sentido como hoje e nem havia interação entre os telespectadores de um país. Hoje, o Twitter, o Facebook e o YouTube são realmente globais e interativos. E nós somos atraídos para os links da web justamente porque eles são discretos, quase escondidos, mas nos prometem fornecer informações assim que clicados”, avalia Levinson.

Muito provavelmente, porém, McLuhan e estudos não teriam se tornado tão populares se não fosse o publicitário Howard Gossage, de São Francisco, nos EUA, que o levou para lá em 1965, apresentando-o para a imprensa e para as pessoas da publicidade. Philip Marchand acrescenta a importância de ele ter recebido também uma bolsa da Fundação Ford, em Nova Iorque, além de apoio e atenção do famoso escritor e jornalista Tom Wolfe. “McLuhan não escondia o desejo de reconhecimento. Como um professor num remanso relativo – a cidade de Toronto –, ele percebeu que os canadenses estavam muito relutantes em aceitar seus próprios talentos e passou, então, a reforçar constantemente seus contatos fora do país”, garante.

Rapidamente, começaram a surgir reportagens e artigos em jornais e revistas importantes, como Harper’s MagazineNewsweek, aparecendo na capa, e Fortune, que o nomeou “uma das principais influências intelectuais de nosso tempo”. McLuhan também passou a ser bastante requisitado para entrevistas na televisão e apareceu até como ele mesmo, numa fila de cinema, no filme Noivo neurótico, noiva nervosa (Annie Hall), dirigido por Woody Allen, em 1967.

Antes, ele havia começado a estudar engenharia na Universidade de Manitoba; se formara em Literatura Inglesa na mesma escola em 1934; lecionara na Universidade de Wisconsin, entre 1936 e 1937; e fizera mestrado e doutorado em Cambridge, o segundo com tese sobre o autor satírico inglês Thomas Nashe. Também foi professor na Universidade de Assumption, em Ontário, e na Universidade de Toronto, e publicou mais de uma dezena obras.

Marshall McLuhan faleceu em 31 de dezembro de 1980, em Toronto, aos 69 anos, após passar por uma série de derrames cerebrais. A partir de então, inúmeras foram as tentativas de apagar sua memória e a relevância de seus estudos de comunicação. “Ele irritou muitas pessoas, principalmente seus colegas acadêmicos, por ter certa volubilidade e vontade de sempre dizer algo diferente de todos. Quando morreu, todos pareciam felizes com a sensação de que o pensamento poderia ter ido embora junto. Muitos acreditaram tratar-se apenas de um charlatão intelectual, porque ele nunca apoiou suas declarações em investigação minuciosa. No entanto, ele se mantém renovado e acredito que será sempre uma figura importante na história intelectual do século 20”, assegura Marchand.
“Sinceramente, nunca entendi por que renegaram o pensamento de McLuhan mesmo quando ele estava vivo. Ou eram demasiado estúpidos, ou preguiçosos para tentar compreendê-lo. Na verdade, eles estavam errados, como indica a crescente relevância de seu pensamento na era digital atual”, opina Levinson. E muito a respeito dos significados de suas posições ainda precisam ser descobertos, como destaca Marchand: “As cartas que escreveu a seus correspondentes, muitas das quais estão no Arquivo Nacional do Canadá, podem ser uma das melhores fontes de compreensão de seu pensamento, pois ele era frequentemente muito mais lúcido quando explicava suas ideias ao escrever uma carta para alguém do que quando dava uma palestra ou uma entrevista”. Todas as tribos da nossa aldeia global podem celebrar e buscar compreender mais do pensamento vivo de McLuhan. ©

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