segunda-feira, 5 de maio de 2014

Ingerência política na Eletrobras ajuda a causar rombo de R$ 13 bi desde 2012

  • Este ano, empresa deve fechar no vermelho de novo

RIO - A crise no setor elétrico gera, até o momento, duas expectativas ruins e uma “vítima” real. Para o futuro se espera um forte aumento deconta de luz, que poderá ficar ainda mais cara até 2019, e o temor de racionamento. No presente, a grande perdedora é a Eletrobras. A estatal, que engloba Eletronorte, Eletrosul, Chesf e Furnas, amarga prejuízos bilionários, recebe valores que não cobrem seus custos, atrasa o pagamento de fornecedores, é obrigada a entrar em consórcios pouco conhecidos e com retorno duvidoso e perde seu corpo técnico. Especialistas acreditam que, devido ao prejuízo acumulado em 2012 e 2013, de R$ 13,217 bilhões, a empresa precisará de socorro do governo nos próximos anos. Este ano a conta não deve fechar de novo.
A Eletrobras tem sofrido com a interferência política, usada como braço empresarial para projetos do governo que causaram os atuais desequilíbrios do setor elétrico. Com isso, seu valor de mercadodesabou de R$ 46 bilhões, em 2010, para os atuais R$ 11,094 bilhões, queda de 75,89%.

As decisões para estas participações são baseadas no desejo do governo de fazer
 grandes projetos saírem do papel. Um dos casos mais recentes foi o leilão da Usina Três irmãos, da Companhia Energética de São Paulo(Cesp), quando a estatal apoiou um grupo de fundos de investimentos que não são do setor e As dificuldades da estatal — cuja direção tem forte ligação com o PMDB, mas que está também sob influência direta da presidente Dilma Rousseff, que vem do setor elétrico — não são poucas nem pequenas. A empresa, que em 2006 estava se preparando para se internacionalizar e crescer, começou a ter problemas quando o governo a obrigou a usar suas subsidiárias para participar dos leilões de construção das usinas de Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira. Desde então, a estatal entra com mais de 40% em todo grande projeto de energia do país.
sem
 conhecer seus controladores. Na sequência, a Eletrobras teve que assumir seis distribuidoras estaduais que foram federalizadas, geram prejuízos e precisam de aportes altos.
Empresa espera ter lucro este ano
golpe de misericórdia foi dado em 2012, com a Medida Provisória (MP) 579, que tentou baixar à força o preço da energia no país, com uma proposta de renovação antecipada dos contratos do setor em troca de tarifas menores. Para isso, a estatal viu o valor de seus ativos caírem em R$ 10 bilhões e teve que celebrar contratos em que se compromete a vender energia elétrica a R$ 9 o megawatt hora (MWh), preço 92,5% menor que a média de R$ 120 praticada pelo setor hidrelétrico. Para piorar, a estatal, com seu Programa de Demissão Voluntária, tem perdido profissionais competentes, desmontando seu corpo técnico.
— O governo está matando a Eletrobras a agulhadas — afirma Erik Eduardo Rego, do Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da USP.
A Eletrobras diz estar em fase de reestruturação. O objetivo da companhia, oficialmente, é voltar ao azul ainda este ano. “Estão sendo finalizados os estudos para a reestruturação do modelo de gestãoempresarial, da governança corporativa e societária. Eles devem ser apresentados até o fim deste semestre. A empresa deixou de receber receitas no valor de R$ 8,5 bilhões e está, no momento, adequando-se a essa situação”, informou a empresa por e-mail.
Apesar de ser a maior empresa de energia do país, respondendo por 34% da geração nacional e com faturamento anual de R$ 23,8 bilhões, a empresa é apenas a 33ª mais valiosa da Bolsa. Seu valor de mercado (R$ 11,094 bilhões) está inferior ao de outras empresas menores do setor, como Tractebel (avaliada em R$ 20,8 bilhões e com receita anual de R$ 5,6 bilhões), Cemig (valor de mercado em R$ 20,2 bilhões e receita de R$ 14,6 bilhões) e CPFL Energia (avaliada em R$ 18,7 bilhões e receita de R$ 14,6 bilhões).
— O que ocorreu com a Eletrobras eu nunca vi em nenhum outro lugar do mundo. O governo determinou em 2012 a venda do MWh a R$ 9 baseado em estudos do período pós-apagão, quando a estatal teve prejuízo. Este valor não paga os custos. No futuro, o Tesouro Nacionalterá que socorrer a empresa — diz Roberto D’Araújo, presidente do Instituto para o Desenvolvimento Estratégico do Setor Elétrico.
Graças à MP 579, diz D’Araújo, outra hidrelétrica vende o MWh a R$ 270 a 15 quilômetros de onde Furnas fornece a R$ 9, ambas geradas no mesmo Rio Grande.
Meta era ser ‘Petrobras do setor elétrico’
Presidente da Eletrobras entre 2003 e 2004, o diretor do Coppe/UFRJ Luiz Pinguelli Rosa recorda da meta central da empresa nos primeirosanos do século: transformá-la na Petrobras do setor elétrico.
— Mas a MP 579 causou uma inviabilidade econômica gigantesca para a empresa. A depreciação foi enorme. O plano de demissão voluntária provocou a perda de bons engenheiros, de bons técnicos. Além disso, há dificuldade de manutenção na estrutura atual e problemas com distribuidoras e geradoras do Norte e do Nordeste.
Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel) da UFRJ, afirma que a empresa tem que buscar investimentos que aumentem rapidamente seu fluxo de caixa: linhas de transmissão e geração eólica:
— O que vemos na Eletrobras não é um abacaxi, é uma plantação de abacaxis — diz, defendendo que a empresa feche seu capital para ficar menos pressionada.
Karina Freitas, analista da Concórdia Corretora, diz que o problema é a interferência política. Sem isso, a Eletrobras poderia não ter renovado algumas das concessões dentro da MP 579. Para ela os papéis da estatal estão voláteis, ao sabor das pesquisas eleitorais, mas nem a piora da presidente — que pode indicar nova gestão — deve melhorar a cotação das ações.
Funcionários preocupados
A participação da estatal em grandes projetos, com fundos poucos conhecidos, gera desconfiança em Ildo Sauer, diretor do Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE) da USP:
— A Eletrobras é hoje uma muleta para o governo fazer negóciosobscuros. E ela precisou assumir isso depois que o governo reduziu o valor de seu recebimento na canetada, sem estudo, pagando valores inexequíveis.
Na semana passada, os funcionários fizeram greve de dois dias para cobrar o pagamento da participação nos lucros e resultados. Segundo a Associação dos Empregados da Eletrobras (Aeel), a empresa alega que não houve lucros para o pagamento das bonificações.
Procurado, o governo informou “que os entes públicos que falam sobre o setor elétrico são: Eletrobras, Ministério de Minas e Energia, EPE, ONS e Aneel. Sobre aporte do Tesouro, a fonte deve ser o Ministério da Fazenda”.

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