domingo, 25 de novembro de 2018

Como o cérebro humano ficou tãããão grande

Por , em 1.12.2015
Em 1924, o fóssil de um ancestral previamente desconhecido dos seres humanos foi descoberto – o Australopithecus africanus, ou “homem-macaco da África do Sul”. Esse fóssil é importante porque indicou que o hominídeo tinha um cérebro com características humanas, mas muito menor do que os nossos cérebros são hoje.
Na década de 1950, os antropólogos finalmente aceitaram a conclusão de que não tivemos sempre um cérebro excepcionalmente grande. Como chegamos a ele, então?

Boom do cérebro humano

Nas décadas seguintes, descobrindo e comparando outros crânios fósseis, os paleontologistas documentaram uma das transições mais dramáticas na evolução humana. Poderíamos chamá-la de “boom do cérebro”.
Seres humanos, chimpanzés e bonobos se separaram de seu último ancestral comum entre 6 e 8 milhões de anos atrás. Por volta de 3 milhões de anos atrás, o cérebro hominídeo começou uma expansão maciça. No momento em que nossa espécie, Homo sapiens, apareceu cerca de 200.000 anos atrás, o cérebro humano havia aumentado de cerca de 350 gramas para mais de 1.300 gramas.
Em outras palavras, em 3 milhões de anos, o cérebro humano quase quadruplicou o tamanho que seus antecessores tinham alcançado ao longo dos últimos 60 milhões de anos de evolução primata.

Como e por que o cérebro humano tornou-se tão grande tão rapidamente?

Há uma abundância de teorias, especialmente a respeito do porquê: redes sociais cada vez mais complexas, uma cultura construída em torno do uso da ferramenta e colaboração, o desafio de se adaptar a uma condição climática mais dura, entre outras pressões evolutivas que poderiam ter levado a cérebros maiores.
Embora estas possibilidades sejam fascinantes, são extremamente difíceis de testar. Nos últimos oito anos, no entanto, os cientistas começaram a responder a parte do “como” – de que forma o cérebro humano se expandiu e nossa fisiologia se reconfigurou para acomodá-lo.

Por que nosso cérebro é mais inteligente

Já falamos aqui do trabalho da Suzana Herculano-Houzel, brasileira da Universidade Federal do Rio de Janeiro que dissolve cérebros em uma sopa para estudar seu conteúdo celular. Ela já conseguiu contar quantos neurônios existem em cérebros de diferentes mamíferos, mostrando que tamanho não é documento.
O cérebro humano tem 86 bilhões de neurônios: 69 bilhões no cerebelo, que nos ajuda a orquestrar as funções corporais e movimentos básicos; 16 bilhões no córtex cerebral, responsável por nossos talentos mentais mais sofisticados, como autoconsciência, linguagem, resolução de problemas e pensamento abstrato; e 1 bilhão no tronco cerebral e suas extensões para o núcleo do cérebro.
Em contraste, o cérebro do elefante, que é três vezes maior, tem 251 bilhões de neurônios em seu cerebelo, que ajuda a administrar seu tronco versátil e gigante, mas apenas 5,6 bilhões em seu córtex.
Com base em seus estudos, Herculano-Houzel concluiu que os primatas desenvolveram uma maneira de “encaixar” muito mais neurônios no córtex cerebral do que outros mamíferos. Os grandes macacos são minúsculos em comparação com elefantes e baleias, mas seus córtices são muito mais densos: orangotangos e gorilas têm 9 bilhões de neurônios corticais e chimpanzés têm 6 bilhões.
De todos os animais, nós somos os que temos mais neurônios corticais. “Essa é a diferença mais evidente entre os cérebros humanos e não humanos”, disse Herculano-Houzel.

A troca metabólica

O cérebro humano também é único em sua gula. Embora represente apenas 2% do peso do corpo, consome 20% da sua energia total. Em contraste, o chimpanzé necessita apenas da metade disso.
Como o corpo humano se adaptou para sustentar um órgão singularmente voraz? Em 1995, Leslie Aiello e Peter Wheeler propuseram uma hipótese que argumentava uma “troca metabólica”. Para o cérebro crescer, outros órgãos, como o intestino, tiveram de encolher, e a energia que normalmente iria para eles foi redirecionada para a cabeça. De fato, primatas com cérebros maiores têm intestinos menores.
Alguns anos mais tarde, o antropólogo Richard Wrangham construiu sobre essa ideia, argumentando que a invenção do alimento cozido foi crucial para a evolução do cérebro humano. Alimentos cozidos são muito mais fáceis de digerir do que os crus, produzindo mais calorias com menos trabalho gastrointestinal.
Outros pesquisadores propuseram que trocas semelhantes podem ter ocorrido entre o cérebro e o músculo, dada a forma como os chimpanzés são muito mais fortes do que os humanos.

As marcas dessa troca no genoma

Coletivamente, essas hipóteses e observações são convincentes. Mas são baseadas nos ecos de mudanças biológicas que ocorreram há milhões de anos. Para ter certeza do que aconteceu, os cientistas mergulharam mais fundo do que a carne, em nosso genoma.
Cerca de oito anos atrás, Gregory Wray, biólogo evolucionário da Universidade de Duke (EUA) começou a investigar famílias de genes que influenciam o movimento da glicose que dá energia para as células. Uma família de genes é especialmente ativa no cérebro, enquanto outra é a mais ativa no músculo.
Wray e sua equipe coletaram amostras de cérebro, músculo e fígado de seres humanos falecidos e chimpanzés e tentaram medir a atividade dos genes em cada amostra. Os pesquisadores descobriram que o gene que transporta glicose no cérebro foi 3,2 vezes mais ativo no tecido cerebral humano do que no de chimpanzés, enquanto que o gene do músculo foi 1,6 vezes mais ativo nos chimpanzés. Isso confirmou a hipótese da troca metabólica. Ainda assim, os dois genes se comportavam de forma semelhante no fígado de ambas as espécies.
Dado que as sequências de genes humanos e chimpanzés eram quase idênticas, algo mais devia explicar seu comportamento variável. Wray e seus colegas logo descobriram algumas diferenças intrigantes entre sequências reguladoras de DNA que estimulam ou reprimem a atividade dos genes.
Nos seres humanos, mas não em chimpanzés, os genes tinham acumulado mais mutações do que seria de se esperar por acaso, indicando que estas regiões haviam sido submetidas a evolução acelerada. Em outras palavras, houve uma forte pressão evolutiva para modificar as sequências de transporte de glicose em humanos, de uma forma que minou a energia a partir do músculo, canalizando-a para o cérebro.

Mais evidências

No ano passado, o biólogo computacional Kasia Bozek, agora no Instituto de Okinawa para a Ciência e Tecnologia no Japão, publicou um estudo semelhante que examinou o metabolismo de um ângulo diferente.
Além de olhar para a expressão do gene, Bozek e seus colegas analisaram os níveis de metabólitos, um grupo diversificado de pequenas moléculas que inclui açúcares, ácidos nucléicos e neurotransmissores. Diferentes órgãos têm perfis de metabólitos distintos, dependendo do que fazem e quanta energia necessitam. Em geral, os níveis nos órgãos de espécies estreitamente relacionadas são mais em sintonia do que os níveis entre espécies distantes.
Bozek constatou que os perfis de metabólitos de rins humanos e chimpanzés, por exemplo, eram bastante semelhantes. Mas a variação entre o cérebro humano e o de chipanzés foi quatro vezes maior do que seria esperado com base na taxa de evolução típica. “Um único gene, provavelmente, pode regular uma série de metabólitos”, disse Bozek. “Assim, mesmo que a diferença não seja enorme no nível do gene, você pode obter uma grande diferença nos níveis de metabólitos”.
Essa diferença de metabolismo também pode explicar porque somos mais fracos que nossos parentes primatas.
Outra evidência corroborativa veio da pesquisa de Debra Silver, especialista em desenvolvimento do cérebro da Universidade de Duke, que identificou mutações genéticas relevantes do passado evolutivo do nosso cérebro, e testou essas mutações no genoma de ratos em laboratório.
Ela se concentrou no HARE5, uma sequência cheia de mutações em humanos que parecia controlar genes que orquestram o desenvolvimento do cérebro. A versão humana do HARE5 difere de seu correlato chimpanzé por 16 letras de DNA.
Uma cópia humana ou de chipanzé foi introduzida em um grupo de ratos. Depois de nove dias de desenvolvimento, os roedores com uma cópia humana tinham um córtex muito mais sofisticado – a produção do cérebro foi 12% maior.

Conclusão

Essas novas pesquisas são emocionantes e respondem a várias questões de como nosso cérebro têm se tornado tão grande.
No entanto, vai demorar para entendermos totalmente essa questão. “É um erro pensar que podemos explicar o tamanho do cérebro com apenas uma ou duas mutações. Nós provavelmente adquirimos muitas mudanças pequenas, que de certa forma estão cooptando as regras de desenvolvimento do cérebro”, argumenta Silver.

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